Geni e Madalena



- Procuras Geni em sal e sangue? A que abocanha o que lateja e não pede explicações a Freud?
A Profanadora de si mesma? A que nunca ruboriza?
- Não, eu procuro Madalena Arrependida.
- Essa não mora aqui. Está perdida.

Estoque



Escrevo como quem teme diluir a própria memória. Saco do bolso um punhado de passado. Do alto de um tempo sem prumo, vejo a fosforescência da antiga escola e o eucalipto com que o vento ameaça nossa insignificância. Debruçada nesse tempo, cuspo as pessoas que confundem meu sexo comigo. Sou miúda e já de olhos perdidos, já sem escolha diante do sensível. Já estocando reminiscências para quando, vazia de nome e endereço, eu finalmente escapar da única prisão que existe. Quando eu for apenas duas letras de um som remoto.

Arado



A vida é um arado violento
A cavar sulcos no meu rosto
No meu sono
Nesse resto

A vida é um prato indigesto
Devoras néscio esse ácido
E inda zelas
E inda rezas

A vida:
Retrato,
Contrato,
Bolor.
Carnívora,
Mais rato
Que flor!

Espoliados



Invadimos a cidadela do corpo alheio. Marchamos desarmados com a segurança dos ignorantes. Mas nossos passos desatentos deslizaram para o nada. Porque o corpo era abismo vestido de promessa. A paisagem suntuosa era esculpida no desejo. Resta-nos aceitar a vertigem. Entramos para saquear e saímos nus.

Síntese de todas as vésperas

Desate teus nós dos meus dedos
E empregue as mãos em cobrir teu sexo
Decanta-me do álcool barato
Para me remeter ao meu endereço

É que já mora no ontem
A mágoa da cisão primordial
Mas o punhal de cabo exposto
Não se cansa de (re)cortar meus limites

Doei o passado aos pedintes, ciganos,
Andarilhos andrajosos...

Cobre deles as sílabas do meu silêncio

A vida desgarrada
Passa e não repara
Eu pendurada nos cabelos do tempo
Feito pêndulo
Esperando a palavra que pedrou no percurso,

caiu

em

desuso

e

                                 arrastou seus sinônimos.