Em tuas retinas



Há quase dez anos vago sonâmbula em tuas retinas. 
O vidro de tuas pupilas me proíbe a fuga. 
Não tenho a dignidade cruel de te cegar para me restituir a mim. 
Só me restou a autopiedade por não poder regressar. 
Há quem chame isso de amor.

A ditadura da felicidade...



A ditadura da felicidade é o que há de mais cruel em nossa época. Como nunca antes, somos soterrados por imagens sorridentes, apaixonadas, saudáveis e ricas. Só que, obviamente, nem eu nem você estamos entre essas imagens. Desconfio que pertencemos ao grupo dos “mais ou menos”.  Os “mais ou menos” em paz, independente da preocupação com dinheiro ou com amor (não necessariamente nesta ordem). Alegres, nunca FELIZES. Porque a gente que é “mais ou menos” costuma perguntar demais. E a felicidade não admite ser questionada. Estamos de lupa em punho, dissecando a felicidade. Por isso suspeitamos dela. Não podemos aceitar com naturalidade que o lixo de uns seja o ouro de outros...
Como representante dessa maioria que é naturalmente “mais ou menos”, sinto-me no direito de solicitar, com a justa indignação: 1) Que os atores dessa ditadura tenham a decência de representar sua comédia em outro lugar; 2) Que o dilúvio até então contido desabe sobre essa histeria coletiva do riso, e choremos mesmo o que dói no corpo alheio. Em nome dos que desaprenderam a amar. Em nome dos que não têm motivo para sorrir.