Impertinência da Memória



Esquece a conta perdida
do colar
e a encontrará
entre retalhos de infância

Esquece o ônibus e ele
Virá
A resposta da prece
O dia da quermesse
O efeito da pílula
Que o álcool
empurra

O presente anual
Férias
Almoço
A estreia do novo
tédio das oito

A justiça divina
O fim do enredo
Do exílio
Do medo
A paz de andar à noite

Só a Morte nos flagra e
Des-espera!

[Se eu te esquecer, você vem?]

É melhor ser alegre que ser triste?



Na primeira esquina do tempo, foi-se a lembrança. Levou consigo datas e endereços. Deixou só as impressões. Um perfume. A acidez do vinho. Pupilas dilatadas no escuro. A pressão das ondas nas pernas. A sofreguidão do beijo furtivo...
Melancolia é um vento vagabundo assobiando para a tarde. E não importa onde mora a saudade. Importa que ela tenha onde morar.

[É melhor ser alegre que ser triste?]

O corpo que mais pesa



Decifre teu desejo. Resgate dos becos, das bocas teu corpo, tua unidade. Acolhe a memória que vibra nos nervos. E não adie falar das chagas na consciência; dê ao papel as migalhas da tua autocensura. Pois o corpo que mais pesa é o da palavra.

[do Outro]

Artifícios



Hoje desabei minha ira sobre as flores artificiais. Essa beleza eterna me ofende!  Mas ainda limpo nos capachos meus rastros de destroços humanos.

Epitáfio



Pulsos contra o sepulcro da noite
Até os dedos se cortarem
Cabelos gotejantes
de projetos perigosos.
Ressurjo enfim do musgo
dos teus olhos.


Separação



Estava livre. O corpo era de ninguém. Morrera de frio na calçada da Capital.