Eu entre teus parênteses
Sufocada
Repetindo, repetindo
A ladainha que aquieta
tuas marés

[Todo vício se (re)inventa]
Trago os olhos nublados de ontens
No bolso, um valor esquecido
já não vale

Espremo entre os dentes
O verso bastardo
Sai de mim e caminha
Zombeteiro e sem prumo
pela linha

Seu nome não adivinha:
Saudade
Nosso quadro favorito:
A persistência da memória

[A febre do teu corpo fundiu o tempo]

Batuque Novo

Na tua cadência eu sambo
Me tira do meu canto
Já no primeiro canto
Convidas a entrar

No teu olhar miúdo
Perco o jeito de falar
Perco o compasso
Meu verso atrasa o passo
Pra melhor te acompanhar

Descobre no meu corpo
Um velho batuque novo
Calado nos meus segredos
É só tua mão puxar

Vem passarinhar no meu caminho
Pequena, eu sei ser ninho
E sei quando passar...
O Palácio do Corpo é hoje
aberto
O bem e o nem tanto lá estão
No rol de entrada alguém
pragueja
Nalgum lugar alguém
arqueja...
Vermelho, um gemido
revela outra solidão

Privados da festa
jazem tantos
nas criptas codificadas
dos poemas de amor

A estes não foi dado
senão a fresta
senão a queda
das escadarias do Corpo

Espreitam sedentos,
mas sem inveja
pois sabem do Quando,
que iguala a todos
Acordaram velhos
Só aprenderam a assistir


[O suor é do artista; o prazer, do público]
Chegavas como as palavras a quem escreve: não pelo que significam, mas pelo que exalam. E  a leveza te recebia de chinelos na casa onde nunca pude entrar.
O mundo, assim de longe, cabe em três ou quatro ruas. Todavia no medo de me perder, distribuí afetos.
Você me ancorou na juventude, sabia? Rescindiu o contrato entre meu corpo e o tempo. Mas teus olhares já não atrasam minhas batidas.
Não sei a quem remeter essa saudade. Pegue, arrume uma utilidade para ela. Quem sabe manter a porta entreaberta.

POEMA DE QUEM QUISER

Do quarto insone ouço a algazarra
Lá vão minhas meninas à caça
dos nomes ideais

Todas têm alcunha de dor
E vivem desgrenhadas
As unhas arranham dissonâncias
Tudo nelas convida ao transe
Na zona se vestem
como para o funeral

Desçam meninas
Conquistem novos nomes!
Prefiram os embriagados,
esses de passo penso
e parca beleza
São ásperos, não se rendem
mas compensam
nas gorjetas

Tantos passaram por elas
Já nem lembram a primeira vez
O nome virgem que se negava
Tampouco sentem o de agora
Perdido nas vagas reentrâncias
Resfólega, deixa três sentidos sobre a mesa de cabeceira

E se volatiliza 


Eles vieram das vielas lamacentas. Lá onde o sexo é o ópio do pobre, a névoa que paga nosso suor. Eles vieram se abrigar no meu deserto. Vieram correndo da chuva, mas eu era mar. E nunca fui de dar pé. Remaram por minhas entranhas sem saber para onde iam. Pobres meninos! Nada sabiam das borrascas, dos espíritos que caminham sobre as águas e da combustão dos sóis. Inda hoje os acalanto. Todos os cúmplices de Meu Corpo, nele jazem. Silenciosos, nunca pedem caminho de volta. Sequer desconfiam da própria morte.


[Muitos meninos é que se perderam no meu mar]

Às vezes te mandam beijo por mim e para encurtar a conversa prometo entregar. Mas meu sorriso escorre pelos ladrilhos do rosto. Não posso me dar ao luxo de desperdiçar um beijo assim. Guardo mais esse entre meus badulaques, na esperança de que não enferruje. Um dia, feito cortejo, inda saio paramentada com todos esses beijos.


“To me guardando pra quando o carnaval chegar”
Sei que não és sol posto, quietude de superfície nem rimas com bucólico. Eu que sou o Eduardo da música. Tanto mais apressado, mais anacrônico. Se visses quanta ternura descabida deu lugar a isto que descortino como quem abre a casa para não mofar. Quanta palavra amontoada no pé da cama! Sei que não pertences e que um passo em falso é despencar no teu vórtice de luz. As ideias perdendo a compostura, frases sem nexo, pontos entorpecidos, inconscientes. Eu entre teus parênteses, sufocado. Repetindo, repetindo a ladainha que aquieta tuas marés. E o embrião do nosso dia seguinte eternamente inconcebível.                                                                                                                                               



- Mas só me chamas pelo nome!
- De teu só há isso
- Quando começou?
- Quando deixou de ser
- Choraste?
Saí


[CONTRA-PONTO]
Palavra frígida! Diga como gostas, qual o ritmo, onde ponho teu ponto. Duas mãos, tantas línguas, mas não despertas dessa apatia. Olhei para o já dito, e a expectativa me petrificou em sal. Nada mais colérico que uma falsa promessa de prazer. Me empresta uma imagem pra eu gozar? Te devolvo branca.


[Que estranha impotência a vossa]

APÓCRIFO


Erra o Profeta entre escombros
Olhos alertas, pinça a postos
No cimo da alvorada vaga o Profeta
Coleciona na memória nomes
de árvores, fases
da Lua,
seu primeiro móbile.

Pisa e caça nomes
Mas não há nada de novo entre o diploma e o dicionário.

Alto lá, Profeta do verbo!
Nem só de parábolas viverás.
Quando tuas linhas serão leitos de sangue,
espelhos movediços do que existe?
Não o que apodrece em tua biografia
(culpa que mandam vir e se atrasa)
Estás prenhe de notícias,
tuas vísceras resmungam pragas
Vomita teu mistério ou te devoro!

Alto lá!
Que não sou teu cúmplice
Flagrado em clichês
que castigo terás?
Ninguém há de ouvir
Teu canto
Teus gritos
Pranto e ranger de dentes
A quem queres enganar?
Teu verbo é víbora incandescente

Vês a segurança na voz de quem sonha o poder
e te calas
Promessas cozidas nos sonhos dos pobres 
Pobres sonâmbulos no mercado de esquecimento
de cinco e de dez.
Vês a desgraça passear tranquila entre crânios 
e te calas!
De que valem tuas pétalas
No cenário preto e branco?
De que vale tua coleção de nomes
que não correspondem aos ratos?
De que vale tua multiplicação de vogais e consoantes
Se tua saliva não cura o cego,
Se teu corpo não expia
O Corpo, comércio de solidão?

Onde jaz a beleza degredada
Teus olhos atravessam as imagens
Sem tocá-las
Teus dedos, carne viva
de tanto tecer ilusão
Tua língua envenenada do silêncio
de quem teme se expor.

Que correntes limparão tua inutilidade?
Água? Ar? Eletricidade?

Vagueie pelos desertos,
que em tua mãe não há mais vaga

E quando heroicamente
de braços abertos
receberes a morte
tuas sílabas soarão abandono

Profeta do verso, desconfio que morreste no berço.

(DES)CASO

Chegue como quem quer colo
Pare no portão
Pouse a mala
no impasse de querer ficar
Entre
na minha saudade
Coma
a mágoa que deixaste
Não deixe esfriar!

Procure em vão nos bolsos
Teu espelho cobrou
Aquele talão de tempo
A outra saqueou

Reparaste as flores novas
que nasceram em mim?
Sangrentas begônias
Marias-sem-vergonha
Flor-da-Imperatriz...

Vêm de fora os latidos
Minha paz reclama
Não te dou pouso
Não prometo cama
Vai-te embora
E cuidado com as flores

Amor-próprio não rima.
Amor não tem certificado de garantia. Cuidado ao tirá-lo da estante para limpar, ou ele pode se transformar num caleidoscópio de ilusões, farsas e planos aos teus pés. Quem varrerá teus cacos, meu bem?
Não se intrometa nas medidas do meu amor, ou ele azeda, vira piedade. Mas ainda podemos bebê-lo, brindar às pequenas injúrias que trancaram nossas portas.
Amor não garante ficar, mas quem te jurou eternidade não mentiu. Só não sabia que a eternidade podia ser tão curta.

Meu amor venceu.

Para quem (não) crê que romance é démodé!

Às cegas, tua imagem tateia meus poros, cata conchas em minhas ondas, se embrenha nos meus pelos. No lusco-fusco do meu desejo, teu rosto se desfigurou. A boca da lembrança, antes ávida, agora fuma a angústia de quem busca no corpo alheio a memória do próprio. Teu vulto aninhou-se no meu peito e cá ficou, feito enfeite anacrônico. Logo se dissolveu entre os lençóis. Mas deixou um souvenir: a certeza de que algumas ausências sabem dar prazer, até mais.

História de Pescador



Antes de eu amanhecer
Fisguei tantos afetos
Que mal pude consumir

Quando a tarde me cobriu
Fisguei um amor eterno
Mas ia me afundar

Deixei-o partir

Impertinência da Memória



Esquece a conta perdida
do colar
e a encontrará
entre retalhos de infância

Esquece o ônibus e ele
Virá
A resposta da prece
O dia da quermesse
O efeito da pílula
Que o álcool
empurra

O presente anual
Férias
Almoço
A estreia do novo
tédio das oito

A justiça divina
O fim do enredo
Do exílio
Do medo
A paz de andar à noite

Só a Morte nos flagra e
Des-espera!

[Se eu te esquecer, você vem?]

É melhor ser alegre que ser triste?



Na primeira esquina do tempo, foi-se a lembrança. Levou consigo datas e endereços. Deixou só as impressões. Um perfume. A acidez do vinho. Pupilas dilatadas no escuro. A pressão das ondas nas pernas. A sofreguidão do beijo furtivo...
Melancolia é um vento vagabundo assobiando para a tarde. E não importa onde mora a saudade. Importa que ela tenha onde morar.

[É melhor ser alegre que ser triste?]

O corpo que mais pesa



Decifre teu desejo. Resgate dos becos, das bocas teu corpo, tua unidade. Acolhe a memória que vibra nos nervos. E não adie falar das chagas na consciência; dê ao papel as migalhas da tua autocensura. Pois o corpo que mais pesa é o da palavra.

[do Outro]

Artifícios



Hoje desabei minha ira sobre as flores artificiais. Essa beleza eterna me ofende!  Mas ainda limpo nos capachos meus rastros de destroços humanos.