APÓCRIFO


Erra o Profeta entre escombros
Olhos alertas, pinça a postos
No cimo da alvorada vaga o Profeta
Coleciona na memória nomes
de árvores, fases
da Lua,
seu primeiro móbile.

Pisa e caça nomes
Mas não há nada de novo entre o diploma e o dicionário.

Alto lá, Profeta do verbo!
Nem só de parábolas viverás.
Quando tuas linhas serão leitos de sangue,
espelhos movediços do que existe?
Não o que apodrece em tua biografia
(culpa que mandam vir e se atrasa)
Estás prenhe de notícias,
tuas vísceras resmungam pragas
Vomita teu mistério ou te devoro!

Alto lá!
Que não sou teu cúmplice
Flagrado em clichês
que castigo terás?
Ninguém há de ouvir
Teu canto
Teus gritos
Pranto e ranger de dentes
A quem queres enganar?
Teu verbo é víbora incandescente

Vês a segurança na voz de quem sonha o poder
e te calas
Promessas cozidas nos sonhos dos pobres 
Pobres sonâmbulos no mercado de esquecimento
de cinco e de dez.
Vês a desgraça passear tranquila entre crânios 
e te calas!
De que valem tuas pétalas
No cenário preto e branco?
De que vale tua coleção de nomes
que não correspondem aos ratos?
De que vale tua multiplicação de vogais e consoantes
Se tua saliva não cura o cego,
Se teu corpo não expia
O Corpo, comércio de solidão?

Onde jaz a beleza degredada
Teus olhos atravessam as imagens
Sem tocá-las
Teus dedos, carne viva
de tanto tecer ilusão
Tua língua envenenada do silêncio
de quem teme se expor.

Que correntes limparão tua inutilidade?
Água? Ar? Eletricidade?

Vagueie pelos desertos,
que em tua mãe não há mais vaga

E quando heroicamente
de braços abertos
receberes a morte
tuas sílabas soarão abandono

Profeta do verso, desconfio que morreste no berço.